Será tarde demais para pedir perdão?(novamente). Será o perdão tão caro, que não vale a pena, sequer o lamento, a culpa e o júbilo? Será o júbilo tão banal que se perde em meio aos lamentos e contravenções? Serão as contravenções tão óbvias e sucumbidas a juízo de valor? Será meu amor tão mesquinho a ponto de portar riqueza que provém de seus desgostos, beleza, que mantém os meus lamentos, frieza, que não há nos meus desejos? Não me enlouqueço a falar de desejo. Desejo puro, desejo caro, desejo raro e gracejo ébrio. Que dirá dos meus lamentos?
Deixo-lhes estas poucas e últimas palavras, pois não lhes negaria a lembrança devida, nem é minha intenção deixar-lhes mistério sobre meus motivos. A verdade é que cansei das culpas que me atribuíam.
Ao longo do tempo me convenceram de que eu era responsável por coisas que eu não sabia. Ora, se as pessoas estavam com fome, eu tinha minha participação, se o mundo está acabando, também era de minha responsabilidade agir nisso.
Convenceram-me, esses tais, que toda minha vida era uma peça no maquinário que destruía as florestas e a camada de ozônio, que criava esse ar grotesco que respiramos, que criava essa água podre que, corajosamente, ainda bebemos. Disseram-me que meu bife era um pedaço da Amazônia e mais litros de água do que uma criança toma por semana em certos países, que pago a morte de crianças com meu baseado diário, que mato de fome centenas de conterrâneos com meu voto indiferente.
Deram-me tanta responsabilidade que cheguei a esta missiva que lêem agora.
Não estou nesse mundo para salva-lo, mas não quero viver sabendo que estou matando-o
Ela, a primeira, não entrou por acaso. Tinha o dom de me saber. E como sabia. Foi ,sabendo sobre mim ,que sussurrou. Foi, de tanto eu também saber, que ouvi o sussurro como uma oração. E ela me pedia socorro, e eu atendia. E assim soubemos um do outro. Ela suspirando e eu atendendo. E como uma oração, nutrido pelas promessas e pisoteado pela realidade. E assim soubemos que não bastava sabermos um do outro. Ainda sabemo-nos, mais que ontem, e por isso, talvez, rezemos um pelo outro.
Ah! A segunda. Digna de pensamentos sórdidos, e cálida como freira. Nossas noites desenhavam o Rio. Descobríamos, descobríamos e descobríamos. Ela descobria o primeiro amor. Eu descobria as primeiras tentações. Sua descoberta tinha medo da minha. A minha, medo de dar as caras. As tentações são o universo do coração jovem, são a criação e apocalipse, Brahma e Shiva, criam, massacram, atormentam, destroem e renovam. Dessa vez nos separou. E recriou.
Como o terceiro de Teresinha, a terceira me negava tudo, não dava nada. E, por mera coincidência, ela ficou. Coincidiram muros, desesperanças e desalentos. Tanto vazio bem que engendrou. Tanto nos negamos que explodimos num Sim para sempre. Era certo, era sempre, era poético, era Romântico. E por Romântico nunca morreu. Mas uma alma muda. E, por coincidência, mudamos juntos. As almas mudaram para distantes umas das outras. O que ficou do primeiro abraço foi um mundo, cercado pelos muros que outrora impediram a construção desse mundo. Ele sobrevive, em algum lugar do universo, sendo desgastado pelo tempo, apenas sobrevive. E as almas andam.
E as almas que se atrevem a vagar, correm sempre o risco de pousar de repente, sem planos, sem esperar, sem esperar nada. E assim essa alma encontrou lindo lugar para aterrissar. Não mais que duas semanas ela ficou. E a alma e o lugar não viraram corpos, continuaram almas e cresceram almas. Inflaram se saboreando, uma alma cativando a outra, recitavam-se Caetano, cantavam-se Manoel de Barros. “Do lugar de onde estou, eu já fui embora.” Fui, então. Sem tempo para dizer adeus. Deixando de ser alma. Sem tempo para vagar demais, pois a alma grande pesa ao corpo. E corpo e alma tendem a se cansar.
Mas a alma ousada, teimosa, atentou outra vez contra a sanidade. E me trouxe o inesperado. E se a alma cansada vê-se defronte ao inesperado, ela recorre à não pensar. E não pensando, essa alma me pregou uma peça. Fez-me amar um amor sem lógica, digno dos bufões. E por ser clown, foi belo. Daqueles sem explicação, sustentado apenas pela ilusão. Daqueles que nada importa, porque realmente nada importa. Eu lhe dei um corpo e ela me deu uma alma nova. Um novo sopro de alma para aquela já tão cansada. Éramos felizes, como os bufões, que nas “tardes de domingo choram”. E chorávamos a alegria e a desesperança. Não a mesma de outrora. Essa desesperança não tinha cartas do passado. O futuro arrancava, pouco a pouco, lágrimas, que endureceram a alma. E na despedida – como o futuro nos dissera – a alma daqui se sentiu calcificada.
Mas vejam como as coisas são! Mesmo a mais dura das almas tem suas fraquezas. E justamente por tão rija, tão frágil. Tão frágil que foi sugada, arrebatada, sem tempo de se esquivar, de se preparar. E ainda sem se recuperar da tontura de amar mais uma vez, já amava ao som do jazz, já tinha corpo que transpirava e vociferava os palavrões do amor carnal, rock ´n roll, já se deliciava em conversas de travesseiro bossa nova. Em todos os ritmos trazia todas as forças do passado. Os desalentos, Brahma e Shiva, Caetano e o Clown. Tonto, num mesmo amor, era chama plácida e pudor cético, esquerda e direita, ódio, desalento e Vaudeville.
E sem blasé, eis que vaga a alma, que tantas almas foi e o é. Alma do saber, que descobre, que foge e dança, recita e some, é estúpida e ama, pasma e se entrega sem resistir. Enquanto isso, Ela dorme sobre minha mão.