sábado, 29 de agosto de 2009

"all I want is the best for our lives, my dear. And, you know, my wishes are sincere"


Eros miserável (parte 5)


Será tarde demais para pedir perdão?(novamente). Será o perdão tão caro, que não vale a pena, sequer o lamento, a culpa e o júbilo? Será o júbilo tão banal que se perde em meio aos lamentos e contravenções? Serão as contravenções tão óbvias e sucumbidas a juízo de valor? Será meu amor tão mesquinho a ponto de portar riqueza que provém de seus desgostos, beleza, que mantém os meus lamentos, frieza, que não há nos meus desejos? Não me enlouqueço a falar de desejo. Desejo puro, desejo caro, desejo raro e gracejo ébrio. Que dirá dos meus lamentos?



sexta-feira, 28 de agosto de 2009

"I was the dreamweaver, but now I'm reborn. I was the walrus, but now I'm John. And so dear friends, you just have to carry on. The dream is over."

Carta de um suicida anônimo...



Caros enlutados,

Deixo-lhes estas poucas e últimas palavras, pois não lhes negaria a lembrança devida, nem é minha intenção deixar-lhes mistério sobre meus motivos. A verdade é que cansei das culpas que me atribuíam.

Ao longo do tempo me convenceram de que eu era responsável por coisas que eu não sabia. Ora, se as pessoas estavam com fome, eu tinha minha participação, se o mundo está acabando, também era de minha responsabilidade agir nisso.

Convenceram-me, esses tais, que toda minha vida era uma peça no maquinário que destruía as florestas e a camada de ozônio, que criava esse ar grotesco que respiramos, que criava essa água podre que, corajosamente, ainda bebemos. Disseram-me que meu bife era um pedaço da Amazônia e mais litros de água do que uma criança toma por semana em certos países, que pago a morte de crianças com meu baseado diário, que mato de fome centenas de conterrâneos com meu voto indiferente.

Deram-me tanta responsabilidade que cheguei a esta missiva que lêem agora.

Não estou nesse mundo para salva-lo, mas não quero viver sabendo que estou matando-o

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

"you always say your name. like I woulden't know it's you, at your most beautiful."



Estava te mostrando o que eram aquelas estrelas,

O que continha aquela imensidão.

Tu entendeste meus braços,

Que te envolviam famintos.

Enquanto te falava como era bom te ver dormir,

Entendias o mundo e sabias que o mundo amaldiçoava.

Enquanto eu me deleitava com nossos suores,

Tuas mãos tremiam sentindo que em poucos minutos

Aquele suor secaria, evaporaria.

Eu ria, tu entendias a verdade sobre o humor

Eu recitava, tu cantavas a canção do rádio ao lado

Eu olhava pela janela, tu fechavas a porta do quarto

Eu dizia “até mais”, tu dizias “espero que voltes”

Até quando nos batíamos: eu te pedia perdão,

Tu entendias os segundos gastos no perdão.

Eu te conduzia, tu me consumias

Quando o dia surgia para mim, a noite acabava para ti

Entendias os pratos do dia

Da imoralidade, que em mim era poesia

Entendias da fome, fardo da longevidade

Entendestes, antes de mim, a saudade

Essa ficou.

Entendestes o porvir

E essa que ficou,

A saudade, é o reconhecimento pelos dias felizes

Nos quais eu escancarava os braços para o mundo

E tu me abraçavas. Não como quem se deita,

Como quem não me deixa sair da cama e abrir as cortinas

- Não há p´ra que olhar lá fora.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

"Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais. Faríamos floresta do deserto, e diamantes de pedaços de vidro"

Eu só posso ser assim e isso é tudo que posso te dar

escrever-te, encontrar-te, contar-te de mil viagens

pelo breu, pelo mar, de quando andei só

de quando fui os outros, das palavras que já usei

pra me cobrir do frio

de figuras que escrevi pra me entender tão mal.

Eu só posso ser assim, nem Caruso, nem Enfil

nem cortejo, nem te animo

só contando minhas mentiras, escrevendo minhas passagens

escrevendo tudo que eu já quis um dia ser

tudo que fui por minutos

enquanto te escrevia sobre todos os meus sonhos

Eu só posso ser assim

é uma maldição

sem armas, sem alardes,

com remorsos, sem pesares

Se pensares, posso ser tudo que todos imaginam

e por tão pouco tempo

mas nunca posso ser nada

nunca posso não ser

sou tudo e mais um pouco do que te escrevo numa carta.

Sou tão eu em cada palavra e não sou mais nada

além de espírito de um conto de fadas

sou tão teu em meus poemas e não sou nada

estou preso numa frase e não entendo nada

e se choro nesse verso, dou risada

pois dou de frente com minha cara

dou de ombros assombrado

com o poder dessas palavras

com poder ser e não ter nada

em ser só eu, já que perto de mim

nessas frases, não sou nada.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

"Você diz a verdade, a verdade é seu dom de iludir. Como pode querer que a mulher vá viver sem mentir."


Não há a quem não comova o pranto


E este meu, desalentado canto,


Te fez dócil em fúria,


Que frente a tua injúria


Sou culpado e inocente,


Sou demônio e anjo,


Sou apenas tua pena,


Sou coisa alguma.



segunda-feira, 3 de agosto de 2009

"A plague in the workhouse, a plague on the poor, now I'll beat on my drum 'til I'm dead"


Caro padre, eu vim até aqui fazer uma confissão.

Deus me matou.

Matou-me ao me dar o dom da misericórdia.

Acreditei que esse dom fazia de mim Sua filha.

Perdoei aos que mataram meus pais

Tive pena de suas almas e rezei por uma boa passagem

Segurando o terço vi minha irmã caçula prostituir-se

Que escolha teve ela? Sem casa, sem comida.

Rezei para que a perdoasse também, como o fiz.

Segurando o terço e sussurrando para mim

os ensinamentos que me deste, abri mão do amor pelos homens.

Aos poucos queimava meu corpo,

aos poucos aprendi a ser feliz pelo amor dos outros e amar apenas a Ele.

E como amei.

Amei-O quando tirou minha última família, minha irmã contaminada,

Amei-O quando gritei para os céus que tipo de plano tinha para mim

E porque havia de ser daquele jeito. Será que não estava feliz comigo?

Decidi me dedicar aos outros.

Descobri o ódio dos outros e rezei por eles.

Descobri a disfarçatez dos Homens e rezei por eles.

Orei por todos. Os infelizes pecadores, caídos na tentação da carne

e da cobiça.

Foi quando descobri que sentia dor.

Não me doía a maldade do mundo, não me doía nem mesmo

As marcas da fome e os calos nos pés.

Doía-me ser eu.

Doía-me não ser os outros.

Doía-me o peito por não ter tido a dor humana.

Doía-me ter perdoado os que quis odiar,

ter sido benevolente com aqueles que mereciam a força

que uma dia possuíram minhas palavras e minhas mãos.

Me doía tanto que fui morrendo.

Meu espírito, que tanto fiz crescer por Ele,

Perdeu-se da carne, e tornei-me imaculada,

Tornei-me uma grande alma sem corpo

Uma encarnação do bem e da resignação

Morri ao segurar o terço e não ter visto

que as farpas deste se aprofundavam em minhas mãos.

Morri. E a culpa é Dele. E vim para acusá-lo de querer matar tantos outros.

O meu pecado, padre?

O meu pecado é ser cristã.



"Still I try to find my way, spending hours, endin' days, burning like a flame behind my eyes"


Ela, a primeira, não entrou por acaso. Tinha o dom de me saber. E como sabia. Foi ,sabendo sobre mim ,que sussurrou. Foi, de tanto eu também saber, que ouvi o sussurro como uma oração. E ela me pedia socorro, e eu atendia. E assim soubemos um do outro. Ela suspirando e eu atendendo. E como uma oração, nutrido pelas promessas e pisoteado pela realidade. E assim soubemos que não bastava sabermos um do outro. Ainda sabemo-nos, mais que ontem, e por isso, talvez, rezemos um pelo outro.

Ah! A segunda. Digna de pensamentos sórdidos, e cálida como freira. Nossas noites desenhavam o Rio. Descobríamos, descobríamos e descobríamos. Ela descobria o primeiro amor. Eu descobria as primeiras tentações. Sua descoberta tinha medo da minha. A minha, medo de dar as caras. As tentações são o universo do coração jovem, são a criação e apocalipse, Brahma e Shiva, criam, massacram, atormentam, destroem e renovam. Dessa vez nos separou. E recriou.

Como o terceiro de Teresinha, a terceira me negava tudo, não dava nada. E, por mera coincidência, ela ficou. Coincidiram muros, desesperanças e desalentos. Tanto vazio bem que engendrou. Tanto nos negamos que explodimos num Sim para sempre. Era certo, era sempre, era poético, era Romântico. E por Romântico nunca morreu. Mas uma alma muda. E, por coincidência, mudamos juntos. As almas mudaram para distantes umas das outras. O que ficou do primeiro abraço foi um mundo, cercado pelos muros que outrora impediram a construção desse mundo. Ele sobrevive, em algum lugar do universo, sendo desgastado pelo tempo, apenas sobrevive. E as almas andam.

E as almas que se atrevem a vagar, correm sempre o risco de pousar de repente, sem planos, sem esperar, sem esperar nada. E assim essa alma encontrou lindo lugar para aterrissar. Não mais que duas semanas ela ficou. E a alma e o lugar não viraram corpos, continuaram almas e cresceram almas. Inflaram se saboreando, uma alma cativando a outra, recitavam-se Caetano, cantavam-se Manoel de Barros. “Do lugar de onde estou, eu já fui embora.” Fui, então. Sem tempo para dizer adeus. Deixando de ser alma. Sem tempo para vagar demais, pois a alma grande pesa ao corpo. E corpo e alma tendem a se cansar.

Mas a alma ousada, teimosa, atentou outra vez contra a sanidade. E me trouxe o inesperado. E se a alma cansada vê-se defronte ao inesperado, ela recorre à não pensar. E não pensando, essa alma me pregou uma peça. Fez-me amar um amor sem lógica, digno dos bufões. E por ser clown, foi belo. Daqueles sem explicação, sustentado apenas pela ilusão. Daqueles que nada importa, porque realmente nada importa. Eu lhe dei um corpo e ela me deu uma alma nova. Um novo sopro de alma para aquela já tão cansada. Éramos felizes, como os bufões, que nas “tardes de domingo choram”. E chorávamos a alegria e a desesperança. Não a mesma de outrora. Essa desesperança não tinha cartas do passado. O futuro arrancava, pouco a pouco, lágrimas, que endureceram a alma. E na despedida – como o futuro nos dissera – a alma daqui se sentiu calcificada.

Mas vejam como as coisas são! Mesmo a mais dura das almas tem suas fraquezas. E justamente por tão rija, tão frágil. Tão frágil que foi sugada, arrebatada, sem tempo de se esquivar, de se preparar. E ainda sem se recuperar da tontura de amar mais uma vez, já amava ao som do jazz, já tinha corpo que transpirava e vociferava os palavrões do amor carnal, rock ´n roll, já se deliciava em conversas de travesseiro bossa nova. Em todos os ritmos trazia todas as forças do passado. Os desalentos, Brahma e Shiva, Caetano e o Clown. Tonto, num mesmo amor, era chama plácida e pudor cético, esquerda e direita, ódio, desalento e Vaudeville.

E sem blasé, eis que vaga a alma, que tantas almas foi e o é. Alma do saber, que descobre, que foge e dança, recita e some, é estúpida e ama, pasma e se entrega sem resistir. Enquanto isso, Ela dorme sobre minha mão.