segunda-feira, 3 de agosto de 2009

"A plague in the workhouse, a plague on the poor, now I'll beat on my drum 'til I'm dead"


Caro padre, eu vim até aqui fazer uma confissão.

Deus me matou.

Matou-me ao me dar o dom da misericórdia.

Acreditei que esse dom fazia de mim Sua filha.

Perdoei aos que mataram meus pais

Tive pena de suas almas e rezei por uma boa passagem

Segurando o terço vi minha irmã caçula prostituir-se

Que escolha teve ela? Sem casa, sem comida.

Rezei para que a perdoasse também, como o fiz.

Segurando o terço e sussurrando para mim

os ensinamentos que me deste, abri mão do amor pelos homens.

Aos poucos queimava meu corpo,

aos poucos aprendi a ser feliz pelo amor dos outros e amar apenas a Ele.

E como amei.

Amei-O quando tirou minha última família, minha irmã contaminada,

Amei-O quando gritei para os céus que tipo de plano tinha para mim

E porque havia de ser daquele jeito. Será que não estava feliz comigo?

Decidi me dedicar aos outros.

Descobri o ódio dos outros e rezei por eles.

Descobri a disfarçatez dos Homens e rezei por eles.

Orei por todos. Os infelizes pecadores, caídos na tentação da carne

e da cobiça.

Foi quando descobri que sentia dor.

Não me doía a maldade do mundo, não me doía nem mesmo

As marcas da fome e os calos nos pés.

Doía-me ser eu.

Doía-me não ser os outros.

Doía-me o peito por não ter tido a dor humana.

Doía-me ter perdoado os que quis odiar,

ter sido benevolente com aqueles que mereciam a força

que uma dia possuíram minhas palavras e minhas mãos.

Me doía tanto que fui morrendo.

Meu espírito, que tanto fiz crescer por Ele,

Perdeu-se da carne, e tornei-me imaculada,

Tornei-me uma grande alma sem corpo

Uma encarnação do bem e da resignação

Morri ao segurar o terço e não ter visto

que as farpas deste se aprofundavam em minhas mãos.

Morri. E a culpa é Dele. E vim para acusá-lo de querer matar tantos outros.

O meu pecado, padre?

O meu pecado é ser cristã.



2 comentários:

  1. P'ra variar, o ser humano não se implica.

    Beijo, Flor.

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  2. Bela historinha.
    Esse assunto sempre me interessa, mas é difícil achar com quem se pode conversar, sem que este se sinta desrespeitado.

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